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RESENHA: "Todo dia a mesma noite"

Atualizado: 5 de mai. de 2020

Por: Paula Chidiac

Todo dia a mesma noite: a história não contada da boate Kiss” exclui toda e qualquer dúvida quanto à gravidade da tragédia que aconteceu em 27 de janeiro de 2013 na cidade gaúcha de Santa Maria. Relatando a madrugada e os dias que se sucederam ao segundo maior incêndio do país, Daniela Arbex não apenas narra os acontecimentos sob um olhar jornalístico, mas também honra as histórias dos indivíduos que estavam na casa noturna no momento em que as chamas tomaram o local. Uma cadeia de erros e irresponsabilidades resultaram na interrupção de 242 vidas, além de deixar um rastro de famílias despedaçadas, profissionais de saúde e resgate traumatizados e uma cidade inteira em estado de vigília.


“Vem alguma coisa por aí” é a única pista que precede a tragédia na obra. O presságio foi proferido por um socorrista, o qual estranhava o fato que nos últimos dias o trabalho estava parado. Duas páginas depois, há fogo na Kiss. Os próximos capítulos não explicam absolutamente nada de antemão. A cena com que os médicos e bombeiros presenciaram é exatamente a mesma que o leitor se depara: jovens mortos, desacordados, ou cambaleando apenas para logo em seguida caírem inconscientes também.


Além do espanto dos profissionais, que não esperavam tal dimensão da ocorrência, logo vem a dificuldade técnica: não havia o contingente necessário de pessoas habilitadas a lidarem com a situação. O socorro teve de ser prestado por todos aqueles que se habilitaram a ajudar. Estudantes que estavam bem retornaram à boate na busca por sobreviventes. Alguns deles não saíram com vida.


A narrativa é construída para que o leitor acompanhe os desdobramentos do incêndio como se estivesse naquela noite. A obra lembra constantemente do esforço que houve para salvar o máximo de indivíduos possível. O trabalho, contudo, não consistia em apenas cuidados médicos. Os corpos precisavam ser transportados para outro local, os sobreviventes encaminhados a hospitais que, novamente, não tinham capacidade para acolher tantas pessoas ao mesmo tempo. Cada identidade, sapato, bolsa e celular — alguns com mais de 200 chamadas de contatos salvos como “mãe” — precisavam ser organizados de forma a dar à família pistas para que pudessem identificar as vítimas, tendo em vista que algumas ficaram irreconhecíveis.


A causa das chamas é uma das últimas coisas a serem reveladas. Junto, a obra expõe a série de violações de normas técnicas da casa, que deveriam ter causado o fechamento da Kiss até a regularização. Contudo, até que o livro dê essa informação, são páginas e mais páginas de dor e memória. Depois, resta o sentimento de descrédito e indignação.


Como moradora de Porto Alegre, lembro vividamente do movimento do Corpo de Bombeiros para vistoriar estabelecimentos depois da tragédia em Santa Maria, resultando no fechamento temporário de diversos deles. O próprio prefácio do livro, escrito pelo jornalista Marcelo Canellas, afirma que “Todo dia a mesma noite” é uma rejeição ao esquecimento. Não resta absolutamente qualquer dúvida de que a obra honra a memória de todos que trabalharam incansavelmente para tratar dos feridos, daqueles que morreram no incêndio, dos que sobreviveram — não sem carregar cicatrizes emocionais — e das famílias que tiveram de reaprender a viver. Daniela Arbex, autora também do Holocausto Brasileiro, faz lembrar — e faz com maestria, empatia e excelência.


Nota: 5/5

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