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RESENHA: "Primavera num Espelho Partido"

Atualizado: 5 de mai. de 2020

Por: Paula Chidiac


"Primavera num Espelho Partido" é um livro à espreita da biografia. Mario Benedetti conta, em uma narrativa multivozes, a história de uma família separada pela ditadura uruguaia. O ritmo da obra é, ao mesmo tempo, quebrado e constante, uma vez que ela abarca a visão de mundo de cinco personagens diferentes, cada qual com sua personalidade, idade, experiências e modo de refletir sobre a vida. Enquanto que, no início, os capítulos parecem trocar de assunto a todo o momento, quanto mais se avança na leitura melhor é possível visualizar o panorama do contexto político da época e seus efeitos no sujeito social.


Exilado após o golpe de Estado no Uruguai em 1973, Benedetti insere as próprias experiências nos capítulos denominados “Exílios”. São os únicos que não fazem parte da família que está sendo retratada, mas, ainda assim, encaixam-se e fazem até mesmo um sobrevoo pela trama. “Intramuros”, por outro lado, trata justamente da prisão: Santiago, detido por ter participado de guerrilhas durante o período militar, comunica-se por meio de de cartas, contando à esposa, Graciele, o que se passa com seus companheiros de cela e questionando sobre o mundo lá fora. Por mais que esteja detido há alguns anos, o personagem transparece resiliência, determinação e esperança na maior parte das vezes, já que o medo e a vigília parecem ter se acomodado confortavelmente em algum recanto de sua mente.


A história de Graciele é tratada nos capítulos denominados “Feridos e Contundidos”. Enquanto Santiago a envia mensagens de amor, ela tenta seguir a vida sem o marido — mas não sem apresentar episódios de culpa por não ser recíproca ao sentimento dele. Aqui a narrativa torna-se cinzenta, deprimida, apresentando vez que outra lapsos de sua vontade de se libertar, expressa em impulsos sedentos por finalmente sair do marasmo e viver. Episódios, estes, causados muitas vezes pelo amigo de Santiago, que também tem seção própria: “O Outro”.


Beatriz” e “Dom Rafael” levam o nome, respectivamente, da filha ainda criança do casal e do pai de 67 anos de Santiago. O olhar infantil que recai sobre uma realidade na qual “fatos políticos” não é explicação boa o suficiente para entender o motivo da prisão de seu pai contrasta com a experiência, reflexão e — porque não — leve amargor de quem já viveu mais de meio século.


A história contada por Benedetti é bem construída, entrelaçada por relações interpessoais, política e emoções contraditórias. Expressa, em pouco mais de 200 páginas, a extensão dos efeitos dos movimentos de governo do Uruguai e como os cidadãos levam a vida dura a época da repressão — dentro da prisão, ou fora do país. Ainda que apenas um capítulo seja verdadeiramente bibliográfico, é possível ter certeza que existiram — e ainda existem, em outros contextos — muitas Gracieles, Santiagos, e tantos outros ao redor do mundo.


Há quem diga que o livro é confuso, truncado, que a narrativa em diversas vozes complexifica a leitura. Deixo, então, meu alerta: esperem, verdadeiramente, uma obra partida. Ao final, olhem para os cacos do espelho e busquem o que a primavera há de reservar para todos nós.


Nota: 4,5/5

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