Por: Paula Chidiac
Aviso: violência explícita
Com uma construção de história digna de uma adaptação para o audiovisual, “O Sorriso da Hiena” é um livro de suspense cujo objetivo não é descobrir o autor dos homicídios. Ao invés disso, o paulista Gustavo Ávila traz à tona uma discussão sobre ética e a própria formação do ser humano, ao questionar se nascemos, nos tornamos ou optamos por sermos monstros. A pergunta principal é impressa na contracapa: “É possível justificar o mal quando há a intenção de fazer o bem?”.
A obra inicia já retratando violência de uma forma explícita e detalhada. Um sujeito invade a casa de uma família, amarra o pai, a mãe e seu filho de oito anos em cadeiras distintas, deixando o casal lado a lado e o jovem em frente a eles. O indivíduo, então, afirma ao homem que “ninguém gosta de linguarudos” e corta a língua dele com um alicate, em seguida matando a mulher com um tiro. Nas páginas seguintes, a cena se repete, anos depois. Desta vez, o autor do assassinato é David: a criança que foi poupada pelo criminoso.
O responsável por apurar o caso é o detetive Arthur Vegas. Por ter síndrome de Asperger, é excelente em seu trabalho, tem ótima memória e consegue ser muito analítico. Além disso, carrega uma ótima reputação, em especial pela resolução de um crime que ocorreu anos atrás. Contudo, ele também não entende brincadeiras, é extremamente direto e fica desconfortável em determinadas situações sociais, sendo visto como mal educado algumas vezes.
Por fim, o terceiro personagem principal é William, um psicólogo infantil frustrado com sua tese de doutorado que, com base em casos de crianças que passaram por alguma situação dolorosa, estuda sobre a relevância de eventos violentos no desenvolvimento de transtornos e como eles moldavam o caráter de uma pessoa durante sua fase de crescimento. Ele exprime, logo no início do suspense, sua preocupação com o fato que o trabalho, o qual ganhou renome no mundo acadêmico, era apenas teórico e levantava mais perguntas do que respostas. Mesmo assim, em um primeiro momento é apresentado como uma pessoa caridosa, bem-resolvida e de personalidade tranquila, com uma vida estável.
É nesse contexto que David, inconformado com a pessoa fria que se tornou, decide cometer os homicídios à mesma maneira que fizeram com seus pais perseguindo o ideal de “um bem maior”. Ao contatar o terapeuta pela primeira vez, oferece exatamente a oportunidade que o doutor precisava. Contudo, o assassino deixa claro que não tem gosto pelo que faz — apenas acredita que é necessário para que se possa salvar outras vidas futuramente.
Embora o ritmo da leitura no prefácio e no primeiro capítulo seja mediano, logo o livro adota uma narrativa capaz de prender o leitor. É uma obra de linguagem simples, mas que não por isso deixa de surpreender. A maneira como os acontecimentos vão se entrelaçando ao longo das páginas conversa perfeitamente com o desenvolvimento dos personagens, à medida que também passamos a nos questionar sobre os limites daquilo que é considerado bom ou mau.
“O Sorriso da Hiena” peca em termos de diversidade, mesmo tendo sido lançado em 2017, quando pautas raciais, LGBTs e feministas já estavam em voga. Todas as figuras femininas são secundárias: esposas, secretárias e, até mesmo, a detetive Beth servem apenas de apoio à história. Um dos casais assassinados é gay, e, embora não haja enfoque nele, ainda assim conta um pouco sobre a dificuldade de adotar uma criança estando em um relacionamento homoafetivo. Além disso, não se comenta sobre a cor de pele das pessoas.
Outra característica que pode incomodar o leitor é o não desenvolvimento de alguns acontecimentos menores ou secundários, uma vez que a atenção é realmente voltada à trama principal. Estes, porém, não são motivos bons o suficiente para não recomendar a obra. De fato, quase passam despercebidos diante da fluidez com a qual Gustavo Dávila escreve. E o motivo da escolha do título é apenas uma das diversas surpresas que o livro reserva.
Nota: 4,5 / 5
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